domingo, 2 de novembro de 2008

A QUATRO MÃOS: UMA DÚVIDA JURÍDICA

Este artigo foi escrito a quatro mãos e está sendo publicado "em espelho" nos blogs de Alexandre Lucas - "ENQUANTO ISSO, NO RH DO INFERNO" - , e Ludo Diniz - "REHAB YOUR MIND".

Há algum tempo temos observado a mudança da vida noturna LGBT (sim, a sigla foi mudada de GLBT para seguir ao padrão internacional) em São Paulo. Com uma diminuição da importância dos bares, os brasileiros "barzinhos" e a supremacia inquestionável atual das boates/casas noturnas, que chegam a serem referidas como "o culto" ou "a missa", pela freqüência semanal e estilo bate ponto de seus freqüentadores.

Uma questão que envolve aspectos tanto de comportamento quanto de legalidade levou-nos a unir forças em torno da discussão deste assunto.

Observou-se o aumento da importância das boates na vida noturna, a mudança do estilo das músicas - das embaladas e cheias de vocais da era disco para as psicodélicas e conceituais, com raros vocais, em voga nos dias de hoje, vieram outras mudanças na cena LGBT, aqui falando principalmente do mundo GBT masculino.

Primeiro as baladas começaram a iniciar gradual e lentamente mais tarde. Baladas que nos anos 80 iniciavam-se 22:30-23h, passaram para 00h, e hoje o chique nas baladas do momento como a The Week é chegar depois das duas, de preferência depois de um badalado e bem freqüentado "chill-in", versão "gay chic" para o brasileiríssimo esquenta que rola desde nossos 14 anos, nos tempos de carnaval.

Nas baladas da moda, sempre houve drogas ilícitas, mas essas eram restritas a meia dúzia de "colocadas" conhecidas que se drogavam discretamente escondidas nos reservados dos banheiros. A maioria apenas bebia alcoólicos, em quantidades variadas... Aos poucos, começou uma transformação gradual e concomitante: as baladas foram começando mais tarde e durando mais, mais e mais pessoas se drogando para conseguir dançar horas seguidas, e a música foi-se tornando mais eletrônica e "conceitual", até porque as pessoas em sua maioria, nas pistas ao menos, quase não conversam, e as festas têm-se tornado uma experiência cada vez mais individual.

Toda ação leva à uma reação. Ninguém prestou muita atenção ao que acontecia na cena gay, como nunca prestaram. Mas as mesmas transformações foram sendo transpostas para a cena heterossexual, com suas raves intermináveis e sempre em locais ermos. Sempre disse (Alexandre Lucas) que ninguém dirige mais de uma hora para ir a uma festa e depois anda meia hora no barro para fazer alguma coisa "direita", que pudesse ser feita em boate ou mesmo motel da cidade.

Por uma questão de escala, jovens começaram a ter problemas, ambulâncias foram acionadas e pessoas chegaram a morrer. Mídia e famílias perceberam. A sociedade brasileira, como de costume, lentamente e de modo enviesado, começou a reagir. Começaram a ocorrer batidas policiais em busca de drogas ilícitas tradicionais e sintéticas e a polícia começou a perceber que precisava investir em inteligência. Passou a infiltrar agentes à paisana nas festas. Não somos contra nada disso. As polícias e o Estado estão aí para fazerem seus papéis.

O problema é que foi especulado que alguns donos de boate e organizadores de eventos (alguns(mas) chegaram a ser presos) estariam envolvidos no tráfico. Aos poucos as "otoridades" começaram a pressionar donos de estabelecimentos. Acredita-se que rola a brasileiríssima prática da propina, e boates começaram a contratar seguranças privados para revistar - de maneira bem porca, verdade, como toda fiscalização neste país - os cidadãos na entrada dos eventos e casas noturnas. Em algumas casas, chega-se a arrombar portas de banheiros para ver o que a pessoa está fazendo no reservado e mesmo a "autuar" pessoas pegas pelos seguranças particulares com drogas na pista. Na maioria das vezes, as drogas "apreendidas" são usadas pelos próprios seguranças privados e/ou vendidas. Não cremos que haja registros na polícia de entrega de drogas por boates, mesmo as da capital que chegam a ter capacidade e freqüência de milhares.

Nosso entendimento - e abaixo arrolamos as devidas considerações legais - é de que essas ações (as dos agentes privados de segurança, não das Polícias) são ilegais e ferem os direitos fundamentais do cidadão, garantidos pela Constituição Federal de 1988. Ninguém é obrigado a nada, a não ser em virtude de lei, inclusive a deixar-se revistar por seguranças particulares. Estes por vezes grossos, por vezes preconceituosos, e que inclusive chegam a apalpar genitais de maneira abusiva, causando incomodo, na desculpa da "revista".

Aliás, apesar de a Constituição Federal e o Código Penal proibirem as tais revistas, como muitas outras coisas, os brasileiros vão se acostumando com as ilegalidades sem maiores qüestionamentos. Consideramo-as invasivas, ilegais e ineficazes.

Sim, porque a revista do modo como ocorre atualmente, na maioria das casas noturnas, não têm qualquer eficiência. Afinal, quem quiser entrar com uma arma branca, ou até mesmo de fogo, consegue facilmente passar pelos "Leões de Chácara". E isso vale também para a questão de entorpecentes, ou alguém verifica as costas, meias e cuecas dos frequentadores? Sem falar de dealers que colocam drogas dentro de preservativos e entram com a referida mercadoria no ânus, por mais nojento que possa parecer. TUDO pelo lucro.

Alguns lugares usam detectores de metais, tornando um pouco mais eficaz a segurança, mas não menos humilhantes. Se atualmente os policiais sequer podem fazer revistas imotivadas e usar algemas quando não há risco de agressão ou fuga, como podem seguranças privados, muitas vezes sem a devida autorização da Polícia Federal, bulinarem os clientes.

Não podemos esquecer o fato de a maioria dos problemas relacionados a segurança atualmente envolve muito mais o furto ou roubo de celulares, carteiras e objetos pessoais, sem a necessidade portar qualquer arma, do que brigas entre os freqüentadores. Estes fatos inclusive têm sido peremptoriamente ignorado e abafado pelas casas.

Quanto a droga eventualmente encontrada com os clientes, a casa deve ser clara quanto ao que fazer, devendo conter avisos na entrada e no "site" de internet sobre qual a sua conduta. A esperada é avisar a polícia e entregar a droga e o usuário ou "dealer" para a autoridade policial tomar as devidas providências legais. Mas as empresas não vão atuar dessa maneira, pois, os clientes usuários de aditivos passariam a ir em clubes mais permissivos.

É estranho os relatos de abusos dos seguranças ocorrerem normalmente em lugares onde é publico e notório o abuso de drogas. Raramente algo é feito pela casa noturna para tentar amenizar o problema.

Incomum atitude como a do Royal, que não só usou da sua segurança para interceptar uma quadrilha, como chamou a polícia e prestou todas as informações para a imprensa, causando uma ótima impressão para o lugar, afinal, lá se você sofrer algum problema, contará com assistência devida. Detalhe: no Royal a revista é bem meia-boca. Não só lá, mas na maioria das baladas hétero "premium".

Essas atitudes dos seguranças, ferem várias normas legais, tanto no campo constitucional como no âmbito do direito penal.

O artigo 146 do Código Penal, trata do crime do constrangimento ilegal, onde a conduta típica é obrigar a vítima (cliente) a fazer ou não fazer algo, violando a sua vontade. A ilicitude não se enquadra quando a coação está amparada pelo direito, porém, é ilícito quando destinado a impedir um ato imoral que não seja ilícito.

Aqui se incluí a questão de levar a pessoa para fora da casa por estar "alterada" ou por ser flagrada usando drogas (lembrem, o uso não é proibido em nossa legislação) ou até mesmo, no caso de baladas hétero, quando expulsam um casal gay por estarem se beijando.

Também se enquadra a questão da revista pessoal, onde se obriga o cliente a ser apalpado, muitas vezes de forma constrangedora, chegando até a causar dores físicas, principalmente nos homens, quando sobem a mão pelas pernas até a virilha.

Outro artigo infringido com certa freqüência é o que trata de seqüestro e cárcere privado, o 148 do Código Penal.

Para se praticar o crime, basta privar alguém da liberdade, separando a vítima de sua esfera de segurança ou a colocando em confinamento. Mas também pode ser cometido por omissão, não deixando sair de um local onde se encontrava licitamente.

Essa prática é comum quando a pessoa perde a comanda e se recusa a pagar o valor exorbitante cobrado, ou mesmo quando se discute os valores lá cobrados, comum de ocorrer em sistemas informatizados, quando um funcionário erra o número do cartão.

Nesses casos, o confinamento do cliente é crime.

Porém, não se pode confundir a questão quando a pessoa não tem dinheiro para pagar o que consumiu, quando a questão se inverte e então o consumidor é quem comete o crime previsto no artigo 176, tendo então de ser chamada a polícia, para se resolver o caso na Delegacia.

Já se tiver dinheiro para efetuar o pagamento, mas estiver contestando algo, o estabelecimento não poderá efetuar qualquer retenção ou ameaça. Poderá, entretanto, chamar a polícia e caso não cheguem a um acordo, discutirem a questão no Poder Judiciário.

Fica para pensarmos e decidirmos qual a atitude correta a tomar como cidadãos, independente de julgamentos sobre uso ou não de drogas. Isso é decisão de cada um e quem for flagrado por agente policial sofrerá as sanções legais.

Fica a dica para as boas casas contratarem assessorias jurídicas competentes, e, de preferência, acatar as recomendações das mesmas.

E aos clientes: exijam seus direitos.

6 comentários:

Alexandre Lucas disse...

Que este seja o primeiro de muitos artigos colaborativos =D

Gui disse...

Eu nunca tive qualquer problema do gênero em nenhuma casa noturna - e que isso continue assim.

Cabe a gente conhecer e procurar nossos direitos em todas as circunstâncias, como bons cidadãos que queremos ser.

Pavinatto disse...

SEN-SA-CI-O-NAL!!! Vamos montar uma empresa de consultoria para baladas?

Goiano disse...

Amore
esse tipo de balada é longe da minha realidade pq nao frequento

mas vem ca...

o texto exclareceu legalmente qual o procedimento legal que as casas noturnas devem adotar... a questao é que eles nao farao... e qualquer que seja o controle exercido é melhor que controle nenhum... obviamente eles devem tratar melhor os frequentadores e a "revista" ser mais apropriada... mas morro de medo que se tornem permissivos e as boite se tornem centros de distribuiçao de drogas ( ok ok eu sei que ja é mais ou menos assim , mas nao precisa institucionalizar ne...)

bjos

S.A.M disse...

Nossa, amo seus textos informativos...nem sabia desse lances todos de baladas e tal!

Vem cá. Quero o sr aqui no encontro hein?

Beijo!

:D

K. disse...

ah
quem é MESTRA em fazer revista absurda é a The Week
mais um dos motivos que me afasta dali